quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

João Rodrigues de Jesus - Notas do esquecimento


O Senhor João Rodrigues de Jesus nasceu no ano de 1924 na cidade de Itabi, semi-árido sergipano, porém esta idade não é oficial, o seu registro o tem como natural da cidade de Aracaju nascido em 1930.

Parece um equívoco o seu registro datar uma diferença de seis anos de idade. Mas, quando o próprio João diz, naturalmente, ter chegado a Aracaju em 1º de Janeiro de 1946, com 22 anos de idade, ele só poderia ter nascido mesmo em 1924.

De família pobre, filho de Evaristo José Rodrigues e Maurícia Maria de Jesus, João foi criado num ambiente tipicamente do campo. Sua mãe cuidava do lar e fazia participações nas cantorias do Reisado (fato este que João Rodrigues só soube muito tempo após a morte de sua mãe), já seu pai trabalhava nas propriedades rurais, fazendo serviços da terra, principalmente na atividade de desmatamento e retirada da madeira; esta foi, inclusive, a razão que levou sua família mudar-se para a região de Japaratuba e Carmópolis, onde de lá finalmente o senhor João se mudou para Aracaju.

Quando criança as brincadeiras eram comuns às de todas as crianças da vida rural, era carro de boi feito com osso, brincadeiras de roda e cantigas, até que um dia ele ganhou uma bandurra de presente de um amigo de seu pai, adaptou um encordoamento de linha e logo saiu brincando de tocar música. Mais tarde, um amigo seu lhe deu uma bandurra melhor, fabricada pelos detentos da Penitenciária de Aracaju e ele passou a encarar a brincadeira com um pouco mais de seriedade.

Seu João deve a este fato o seu primeiro contato musical, relata que sua relação musical começou desde a infância, e, naquele momento, não sabia ainda a dimensão que esta ia tomar em sua vida.

Na mudança para Aracaju, sofreu a falta de estrutura para manter-se na capital, foi daí então que aprendeu a arte da alfaiataria; tendo depois trabalhado para dois comerciantes do ramo, Irmãos Figueiredo e Cícero Menezes (a quem deste, ele deve a sua aposentadoria como Alfaiate) que ficavam no calçadão, centro da capital.

Entrou para o colégio General Valadão, porém, tendo dificuldades de se manter na escola (por sua idade ser bem maior que a dos outros alunos!), era comum ele migrar de colégio para colégio, foi assim que ainda freqüentou mais duas escolas de Aracaju; a Dom José Tomaz e a Escola de Comércio, terminando apenas o 4º ano primário.

Seu estudo de música começou através do auxílio de um senhor do qual ele não lembra o nome, que era da polícia militar, e principalmente das revistas cifradas, que ensinavam passo a passo o dedilhar do violão, cavaquinho, bandolim entre outros instrumentos de corda, mas, atestadamente, a sua paixão maior era o bandolim, um instrumento dos mais difíceis de tocar, pela proximidade das cordas e dos trastes, por isso, muito mais difícil de soar as notas.

Apesar dos inconvenientes, João Rodrigues manteve-se onde estava e não quis voltar para o interior, teve boas amizades no colégio, foi lá que conheceu um amigo com o qual tiveram a idéia de estudar música por conta própria.

Estava aí um bom motivo para uma vida mais sociabilizante. A música traria a ele uma razão a mais para interagir com as pessoas, era algo que poderia expor.

João Rodrigues passou a ganhar a vida tocando nos bordéis, era uma forma de complementar a renda fazendo um trabalho artístico. De dia colocava as mãos para a costura das roupas masculinas como alfaiate no calçadão da Laranjeiras, e à noite saía com seu bandolim para tocar nas noites aracajuanas.

Aracaju, entretanto, possuía um conjunto de boates e cassinos que tiveram seus dias áureos, no Beco dos Cocos estava em plena operação a Boite Xangai e a pensão de dona Marieta, também na avenida Otoniel Dórea, Tonho de Mira tomava conta da Boite Miramar, complementando este conjunto, ainda operavam os cassinos Bela Vista, cassino Imperial entre outras casas menos freqüentadas como o “Pinga Pus”, “Stalingrado” etc.

Essas casas noturnas, apesar de mal vistas pela sociedade, era o ponto de encontro de uma geração de artistas da música e da dança. Lá também se encontravam políticos, intelectuais e boêmios de Aracaju ainda romântica, segundo Murilo Mellins.

João Rodrigues relata que a vida de músico naquela época era muito difícil, ganhava muito pouco e muitas vezes atrasavam o cachê, às vezes faltavam-lhe até o pagamento. Esta condição implicava sua vida, “faltava dinheiro para comprar uma roupa ou outras coisas, dava mal para a comida”!

O que lhe restou de bom foi apenas a experiência, que ele relata com certa nostalgia sobre a vida nas casas noturnas. Ressalta que eram locais agradáveis de freqüentar, os homens usavam ternos impecáveis, as prostitutas se vestiam belamente e tinham mais respeito, ou seja, havia um trato mais cordial entre homens e mulheres.

Também naqueles ambientes noturnos tocava-se boa música, era bossa, samba, bolero, tango, mambo, valsa, chorinho entre outros gêneros musicais. Dentre as apresentações que ocorriam no Xangai houve até, certa vez, um espetáculo de uma companhia de balé, com vinte e cinco bailarinos em palco, algo que naquele tempo era digno somente dos luxuosos bordéis da alta sociedade carioca!

Hoje, a posição socialmente ocupada pelo senhor João Rodrigues de Jesus é a do abandono, do anonimato, também condicionada pela falta de registro.

João Rodrigues passa por uma situação precária, vive de uma aposentadoria básica (como artesão, de seus trabalhos como alfaiate), não conseguiu se aposentar como músico, apesar de sua importância musical para Sergipe. Vive na Vila Aparecida, rua Divina Pastora, num quartinho de dois cômodos, sem as mínimas condições de vida dignas de um ser humano, em meio aos seus discos abandonados, fragmentos de suas partituras, quinquilharias, lixo, ratos, baratas e traças.

João Rodrigues foi uma pessoa pobre, vítima das circunstâncias políticas nacional, ou seja, faltaram (e falta) políticas sociais que amparem o indivíduo, tanto artisticamente como humanamente.

As políticas de assistência social, na realidade, se resumem à nulidade, principalmente quando se trata de um grande artista local, que deveria ser amparado dignamente com acompanhamento de tudo o que for necessário para a boa saúde física, mental e material.

João Rodrigues não casou nem teve filhos, como ele mesmo diz: meu casamento foi com a música.

A música foi a maior companheira da sua vida, foi através dela que ele se incluiu na sociedade, assim como vários outros sergipanos, que se perderam no tempo, foram esquecidos, e tiveram de suas vidas a mesma importância do ar, que vem, alimenta as nossas vidas, e vai embora sendo esquecidos por nós.

Esta é a razão da arte, sem ela, sem as nossas ilusões, seríamos seres ainda mais decadentes, vazios, mais próximos da morte, pois a condição de sermos eternamente inquietos nos levaria ao devaneio. Precisamos da arte, da música, da dança, do teatro, do cinema, do folclore, para nos livrar da realidade de nós mesmos, por isso mesmo devemos zelar pelos “atores” desta peça chamada cotidiano.

Em se tratando de História, podemos concluir que o senhor João Rodrigues de Jesus faz parte de uma geração de artistas do estado de Sergipe, que passou mais de meio século vivenciando e produzindo o choro em Aracaju, por isto mesmo ele é parte do Patrimônio Cultural Sergipano.



Referências:


1. João Rodrigues de Jesus. Compositor instrumentista, 83 anos, Aracaju‐SE
2. Domingos Santana, compositor e músico 52 anos, Aracaju‐SE
3. Professor Ayder Araujo, músico compositor 74 anos‐ Manaus‐AM

4. Aracaju, 1966 um Retrato Vivo da Cidade
5. Revista de Aracaju 2002
6. Revista Renovação 1934
7. Revista Alvorada 1950/1980

8. MELLINS, Murilo. Aracaju Romântica que Vi e Vivi. 3ª ed. Aracaju: Unit, 2007.
9. Aracaju. Secretaria Municipal de Cultura, departamento de patrimônio Cultural Divisão de patrimônio histórico de 1989.

10. ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 5ªed., 2004.


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